Mesmo quem nunca esteve em Bremen, no norte da Alemanha, certamente já ouviu falar na cidade que foi popularizada no clássico conto dos Irmãos Grimm, Os Músicos de Bremen, publicado pela primeira vez em 1819.
Desde que reli a história, fiquei me perguntando: por que será que animais decidiram ir para especificamente para Bremen? Mesmo com tantas outras cidades na Alemanha e na Europa para viajar, os animais do conto escolheram Bremen por um motivo…
O conto dos Músicos de Bremen
A história começa com um burro que já estava bem velhinho, seus melhores anos haviam ficado para trás e ele já não tinha mais força para trabalhar pro dono dele. O burro, que não era burro, sabia que ele ia ser abatido a qualquer momento então ele decidiu mudar para Bremen onde ele seria livre e eventualmente se tornaria um Músico da Cidade.
Um pouco depois de começar sua jornada, ele encontra um velho cão de caça na estrada. O cachorro também já está fraco demais para fazer seu trabalho e rapidamente é convencido a se juntar ao burro em seu caminho. Mais adiante, eles encontram um gato com cara de “três dias de chuva” como diriam os irmãos Grimm. Ele não pode mais caçar ratos, e sua dona iria afogá-lo, então ele também fugiu e rapidamente se juntou à trupe.
Ao passar por um curral, o trio encontra um galo sentado no portão. Ele está temendo por sua vida, pois no domingo haverão convidados na casa e ele está prestes a se tornar o prato principal da festa. Então o burro o convence a se juntas à banda dizendo:
“Vamos para Bremen; você pode encontrar algo melhor do que a morte em todos os lugares.”
Mesmo depois de um dia de caminhada, Bremen ainda estava longe e recém formada banda teve que encontrar um lugar para dormir. Eles tentaram descansar perto de uma árvore, mas não acharam o local muito aconchegante. Então eles notaram uma luz ao longe e era uma casa!
E não era uma casa qualquer, ela era perfeita para eles: cheia de comida e quentinha. O problema é que ao chegar perto eles notaram que ela estava sendo usada por ladrões e foi aí que a banda decidiu assumir sua famosa posição de pirâmide e cantar com toda a força de seus pulmões, enquanto pulavam pela janela e espantavam os ladrões.
E funcionou! Essa barulheira terrível fez os homens lá dentro fugirem temendo por suas vidas sem saber que tipo de criatura faria um som assim.
Os animais tomaram isso como uma vitória e fizeram uma comilança, mas, enquanto eles dormiam, os ladrões voltaram para verificar o estado de seu esconderijo. Um deles entrou, e como estava escuro como breu, tentou acender uma fogueira com os olhos brilhantes do gato, confundindo-os com carvão, e foi prontamente arranhado. Ele tentou correr, mas passou por cima do cachorro que mordeu sua perna, depois foi atingido pelos cascos do burro, enquanto o galo gritava com toda força!
Toda essa dor e caos fizeram o homem concluir que um bando de seres malignos havia tomado a casa, incluindo uma bruxa com unhas compridas, um homem com uma faca, um monstro com uma clava e um juiz gritando. Os ladrões desistiram de sua casa e nunca mais voltaram e os quatro animais músicos seguiram seu caminho para Bremen.
É uma história muito simpática, com uma mensagem de trabalho em equipe e de nunca desistir.
Mas por que Bremen?
Durante a Idade Média, Bremen estava profundamente ligada às tradições comerciais marítimas. Ela era uma Cidade Livre Imperial, com um grande nível de autonomia e influência e eles até tinham sua própria moeda que durou até o início do Império Alemão de 1871.
Faz sentido que que o burro tenha pensado em um lugar como Bremen pra escapar, já que uma cidade livre seria o lugar ideal para qualquer um que quisesse se libertar das influências feudais. Bremen era idealizada como um lugar ideal para começar uma nova vida, tem até um velho ditado a respeito que diz: “O ar da cidade te liberta”.
Hoje Bremen é conhecida como “Cidade Hanseática Livre de Bremen”, o menor, em área e população, dos estados da Alemanha. É realmente incrível que Bremen ainda tenha tanta autonomia, depois de tantos séculos!
Segundo a lenda, Bremen permanecerá livre e independente enquanto Roland estiver tomando conta da cidade e a estátua desse protetor foi erguida inicialmente em 1404 no meio da praça principal. Hoje há boatos que uma segunda estátua de Roland é mantida escondida nos porões da prefeitura e que ela pode ser instalada rapidamente para substituir a original em qualquer emergência.
O passado de Bremen
Uma das razões pelas quais Bremen tinha tanta autonomia era porque é um poder econômico muito grande, pois era parte da Liga Hanseática, uma organização comercial poderosa, com cooperação e fusões de mercadores para a promoção de seu comércio no exterior.
A influência da Liga era gigantesca, com membros de países de Portugal à Rússia e rotas de países escandinavos à Itália. Em seu auge, a Liga Hanseática era tão poderosa que podia impor bloqueios econômicos contra reinos inteiros para fazer valer seus interesses econômicos.
Uma grande vantagem que ser parte da Liga Hanseática trouxe pra Bremen foram as importações de itens de luxo como chocolate, café, chá … E tudo isso se tornou parte da cultura local da cidade que ainda hoje tem cafeterias excelentes.
A fábula ao redor do mundo
Ao longo dos anos, essa história foi recontada e adaptada múltiplas vezes na mídia ao redor do mundo. Os Músicos de Bremen foram protagonistas de uma ópera alemã feita na cidade em 1949, eles já foram retratados em um desenho animado soviético, foram adaptados na série infantil “Os Muppets”, chegaram no japão também em um anime produzido pelos famosos Estúdios Tezuka e no Brasil em um teatro musical que você certamente já ouviu falar: Os Saltimbancos! Essa última adaptação foi na verdade criada na Itália e traduzida e adaptada para português por Chico Buarque na década de 1970.
Fora isso, também existem várias estátuas ao redor do mundo e referências em videogames populares como The Legend of Zelda e The Witcher 3.
Bremen de hoje
E por mais mística e lendária que pareça, Bremen ainda é uma cidade de verdade. Vivendo a vida no seu próprio ritmo, mas nunca desconecta de outras pessoas próximas e distantes, tudo graças ao rio Weser.